Entrevista

O protagonista do crescimento econômico é o setor privado

Andréia Limas

O economista e jornalista Luís Artur Nogueira acompanha atentamente a movimentação da economia, buscando subsídios para antever os rumos que irá tomar no Brasil e no mundo. Com base nessa avaliação, Nogueira concedeu uma entrevista exclusiva à Revista Liderança Empresarial, apontando o que espera do crescimento econômico no próximo ano e destacando o protagonismo do setor privado nesse processo.

Liderança Empresarial: A economia brasileira, assim como a mundial, sofreu impactos devido à pandemia de coronavírus. Na sua avaliação, o que se pode projetar para 2021 sobre o desempenho econômico brasileiro e internacional?

Luís Artur Nogueira: A pandemia é o grande fator que vai determinar a velocidade da recuperação econômica, tanto da economia mundial quanto do Brasil. Minhas premissas são de que teremos a vacina ainda no primeiro semestre de 2021 e a segunda onda não será tão forte quanto a primeira. Isso ocorrendo, meu cenário é de um crescimento médio global de 5% para o ano que vem – este ano prevejo uma retração média de 4,5% no PIB (Produto Interno Bruto).

Em relação ao Brasil, prevejo retração de 5% este ano, mas vejo uma retomada mais suave, de 3,5%, e partir de 2022, crescimentos anuais médios de 3%. Em dois anos, vamos recuperar o tombo deste ano. Mas têm algumas outras premissas, como o governo voltar a olhar para as contas públicas e fazer o ajuste fiscal; retomar a agenda de reformas, tributária, administrativa; começar o processo de privatização; ter paz política.

LE: Quais setores poderão sair fortalecidos da crise?

Alguns setores foram muito bem, como o de eletroeletrônicos. Quem tinha o e-commerce consolidado também ganhou muito dinheiro, porque os clientes migraram para a internet e esse legado vai ficar. O agronegócio investe muito em tecnologia e teve ganhos de produtividade mesmo em meio à pandemia. É um setor que tem safras recordes todos os anos e isso deve se manter em 2021, ainda com o mercado exterior promissor. O setor imobiliário voltou a crescer, principalmente por conta da queda de juros e a redução no preço dos imóveis. Setores ligados à tecnologia, mercado financeiro, sistema bancário praticamente não sofreram perdas este ano.

LE: E quais setores devem acumular perdas?

LAN: Os setores que eram extremamente dependentes da presença física tiveram os piores desempenhos este ano. O setor mais emblemático é o turismo. Hotéis, companhias áreas tiveram um ano terrível e o desempenho no ano que vem vai depender da vacina, porque sem isso a tendência é as pessoas viajarem menos. Por outro lado, os setores que conseguiram se adaptar ao mundo virtual conseguiram minimizar as perdas. Um exemplo é o setor de eventos. Outro são os restaurantes, que passaram a trabalhar com delivery, aplicativos de entrega, se reinventaram.

Para o ano que vem, vai ser a mesma coisa, porque a presença física ainda deve ficar limitada. O varejo, de modo geral, se prejudicou mais, com o fechamento das lojas. Mas quem já tinha canais de venda on-line, continuou vendendo. A lição que ficou foi nunca depender de um único canal de distribuição ou de vendas. Ser multicanais vai ser fundamental também em 2021.

LE: Qual o papel das empresas no processo de retomada do crescimento?

LAN: O protagonista do crescimento econômico é o setor privado. O setor público tem um papel importante, principalmente num momento de crise aguda, como foi na pandemia com a criação do auxílio emergencial. Isso evitou um caos econômico e social. Mas quando se fala no processo de retomada do crescimento econômico, o protagonismo vem do setor privado.

As empresas têm o papel de liderar esse processo, com a retomada das vendas, da produção, das contratações. No mercado de trabalho, vejo um protagonismo que virá do empreendedorismo. Não são só as grandes empresas que vão conseguir gerar vagas em volume suficiente para diminuir o desemprego no Brasil. Boa parte dos empregos virá dos empreendedores, dos pequenos negócios.

LE: Como o mercado externo pode se comportar? Será favorável às exportações brasileiras?

LAN: A situação será favorável às exportações brasileiras, principalmente puxada pela China. Prevejo que a China vai crescer 8% no ano que vem, sendo de novo a locomotiva do crescimento global. Este ano, a China vai ter um crescimento pequeno, de 1 a 2%, mas ainda assim será um dos poucos países relevantes do mundo que não vão encolher. Para o agronegócio é fundamental esse crescimento chinês. A alta do dólar para o exportador é boa. Estou otimista. O setor externo vai ajudar o Brasil.

LE: Em relação à política, 2020 tem dois fatores importantes, a pandemia e as eleições municipais. No exterior, há ainda as eleições à presidência norte-americana. Diante disso, qual o cenário político que se desenha para o próximo ano?

Com a vitória de Joe Biden na eleição americana, o Brasil terá que fazer um realinhamento de sua política externa. Não acredito em um conflito comercial entre Brasil e Estados Unidos. Os dois países querem fazer negócios, são parceiros importantes e não faz sentido romper as relações.

Quanto ao ambiente político interno, a pandemia continua gerando conflitos entre governadores e a presidência da República. Lamento profundamente como brasileiro que não tenhamos uma união política em torno de um único caminho que beneficie o combate à pandemia e o resgate da economia. O ambiente continua tenso e esse é um fator importante. Essa briga política cria um clima de incerteza, de insegurança, afasta os investidores estrangeiros, enfim, só atrapalha o crescimento econômico. Espero sinceramente que tenhamos um 2021 com menos conflitos políticos.

Revista Liderança Empresarial - Edição 1 - Dezembro de 2020